terça-feira, outubro 09, 2018

(Des)pertencer


Eu foquei no trabalho pra ver se melhorava, saí pra caminhar, respirei fundo, comi uma tigela de salada de frutas, tomei um banho quente, mas nada disso tirou o peso dos meus ombros. As lágrimas desciam quentes e sem controle pelo meu rosto e eu nem as impedia.

Acho que, no momento, são minhas melhores amigas e me fazem sentir menos sozinha, mais uma vez.

Entre um gole e outro de vinho, me perguntei como havia chegado até aqui e onde isso tudo tinha começado; porque eu ainda cometia os mesmos erros mesmo quando eu sentia "agora vai". Não obtive resposta.

Enquanto olhava as luzes acesas nos apartamentos a minha volta e o vento gelado batia em meu rosto que acompanhava a chuva fina que caia lá fora pensava quando foi que eu perdi o controle da minha vida. Eu já tive o controle, alguma vez?

Talvez meu erro tenha sido ignorar que eu vim ao  mundo com um defeito de fábrica. Daqueles que nem reciclagem conserta, só derretendo e fazendo um novo do zero: eu sinto demais.

Lembro me das minhas conversas  com as amigas e acho que elas têm mais fé em mim do que eu mesma. Elas se recheiam de palavras bonitas pra falar de mim e me incentivam a ver meu lado bom. Ela só não enxergam que eu estou muito quebrada pra acreditar no que elas dizem e, sobretudo, no amor.

As cicatrizes encobrem meu corpo e isso ninguém quer ver de perto. Algumas maiores outras menores; umas ainda inflamadas, outras já cicatrizadas, mas todas lá,de dia e de noite. Não, não me orgulho delas, pois não sou fã da mulher que elas me tornaram, mas, apesar de tudo, elas são a única coisa que me é paupável e me permite perceber que sobrevivi.

Elas assustam quem se aproxima. Elas afugentam todos aqueles que cruzam a linha do "tudo. E você?", mas não se preocupe, pois elas me assustam também. Elas me aprisionam e vivificam o meu defeitinho de fábrica.

Quanto mais eu tento me afastar delas, mais elas se multiplicam mergulhadas em relacionamentos rasos (ou nem relacionamentos), em expectativas, em culpa, frustração e medo.

Isso é assustador, né? Eu sei. Esse mês eu arrumei mais uma. Talvez a mais diferentona por ter sido eu a causadora, mas ainda não sei onde guardá-la. Enquanto ainda dói eu a só observo, cuido e espero dia após dia cicatrizar.

O barulho do relógio me desperta dos meus devaneios. 03h. Fecho a janela e me sento no sofá. O silêncio lá fora conflita com minha respiração entrecortada e, antes de adormecer, invejo as pessoas por elas poderem fugir ou desistir de mim.

Porque, eu mesma, não posso.

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